Relatos de um feito da Aviação Paulista na Revolução de 1932

Relatos de um feito da Aviação Paulista na Revolução de 1932

Na manhã de 21 de setembro de 1932 uma esquadrilha paulista destruiu um aeródromo governista recém-aberto em Mogi Mirim, após um ataque surpresa bem-sucedido, deixando um saldo de 5 aviões “vermelhinhos” destruídos em terra e um sexto avariado, além de dezenas de baixas entre mortos e feridos.

Conforme relatos do próprio comandante e mentor da missão:.”E ficou resolvido, então, tentar a surpresa na hora, bem cedo, e chegar a Mogi Mirim dando uma grande volta para não ser assinalado pelas linhas de combate.

“Ah! Se o material estivesse pousado no campo, faríamos um servicinho limpo!…”À noite, o vento forte e frio, fazia bater a lona dos hangares de campanha do campo de Viracopos [Campinas].

Brum, o esplendido e devotado mecânico, que nunca abandonava o seu avião, enrolado num cobertor, dormia sob a asa do aparelho! As equipagens dormiam placidamente, sonhando com atos audaciosos na surpresa do dia seguinte!

A bruma da manhã seguinte, se estendia preguiçosamente sobre toda a região; só pouco depois de 8:30 horas foi que se pode decolar.

O “Kyri Kyri” com o comandante [major-aviador Lysias Augusto Rodrigues] e Abílio [2º tenente Abílio Pereira de Almeida], o “Kavuré-y” com Gomes Ribeiro [capitão-aviador José Ângelo Gomes Ribeiro] e Mario [2º tenente Mario Machado Bittencourt], o Waco verde com Motta Lima [1º tenente-aviador Arthur da Motta Lima Filho ] e Hugo Neves [2º tenente Hugo Gavião Souza Neves], e o “Negrinho” com o Aderbal [capitão-aviador e subcomandante Aderbal da Costa Oliveira], decolam [de Viracopos] rumo a Campinas.

O comandante à testa da patrulha, inflete francamente para oeste, para fugir às vistas das linhas inimigas, e entrar em Mogi Mirim vindo de oeste. O campo de Mogi Mirim era de terra vermelha, e sendo vermelhos os Wacos ditatoriais, era preciso uma grande atenção para localiza-los; quando decolavam ou aterravam, a nuvem de poeira que se levantava facilitava a observação.

Mas, quatro aviões potentes como os dos Gaviões, não podiam passar despercebidos, mesmo soprando o vento contra a direção de marcha, como era o caso. Quando íamos chegando perto, vimos bem a poeirada de dois aviões que decolavam!

Ficaram todos possessos! Mas, de repente, houve um pasmo geral! Uma poeira de um avião que rolava, nos faz ver enfileirados, asa com asa, mais cinco “vermelhinhos”! Foi um susto e um “gozo”!…

Então, ali enfileirados junto à cerca, para nos dar uma “ronda” à tarde?! Não! Esses não darão mais ronda em ninguém! Agora, vamos aproveitar a oportunidade e liquidar alguns, vingando o “Potez do Comandante”! [avião avariado nos combates anteriores] Agora toca a vez de tirarmos a forra! Esses pensamentos, rápidos como relâmpagos, vieram enquanto os aviões se ajeitavam para entrar no “piqué”.

Desde há muito adotaremos o processo de bombardeio em “piqué” seguido pelos americanos, que nos davam um rendimento muitas vezes melhor que o método francês. Todos estavam treinadíssimos, e era difícil perder-se uma bomba!

Quando Gomes Ribeiro e Motta Lima mergulharam, o comandante preocupou-se com a possibilidade de um encontro no ar, logo afastada. As bombas de Gomes Ribeiro e as de Motta Lima, caem juntas no grupo de aviões enfileirados, enquanto o clamor poderoso dos motores se ouve! E mal a cabragem termina, já novo “piqué” se segue!

O comandante espera que eles acabem, e fica apreciando a fogueira imensa que se ateou lá embaixo, porque as bombas haviam caído justo sobre os aviões! Uma chama imensa, de um brilho fortíssimo, e lá estão os Wacos novinhos pagando o que os ditatoriais haviam feito ao “Potez do Comandante”!Era um espetáculo grandioso aquele! O fogo embaixo, ajudado pelo vento forte, queimava os outros aviões, juntinhos, estupidamente alinhados junto à grade! Que “gozo”! E, enquanto Gomes Ribeiro e Motta Lima, caem de metralhadoras sobre os ninhos da defesa aérea, o comandante que vê o Waco rolar para decolar, ataca-o.

As bombas são lançadas uma por uma, com sangue frio e precisão! A primeira bomba cai à direita do avião que rola, e ele continua sua marcha. A segunda bomba cai à esquerda, bem mais próximo, e ele faz a curva para decolar. Quando ataca o motor e levanta a cauda para decolar, a terceira bomba cai junto! O motor para, o avião estaca! Ele estava fora de combate! E já o comandante se agacha de metralhadora sobre um grupo de ditatoriais abrigados atrás das arquibancadas.Tudo isso à luz daquelas gambiarras gigantescas, os “vermelhinhos” ditatoriais, que haviam vindo pressurosos da frente norte para dar nos Gaviões a: “ronda”! Estreparam-se! E reagrupada lá em cima, a patrulha dos Gaviões vê um dos Wacos vermelhinhos, agachadinho sobre o rio, fugir para as alterosas! Não vale à pena persegui-lo!

A lição foi dura! E nas fisionomias dos Gaviões há uma grande alegria! Abílio e Mario trocam cumprimentos de avião para avião! Com a refrega da véspera, eles sabiam que tinham que abandonar o setor, ou seriam abatidos! Pediram socorro urgente, ansioso, desesperado, a Eduardo Gomes, o “dono” da aviação ditatorial. Ele veio pessoalmente, com seis Wacos vermelhos, novos em folha! E teve o desprazer de vê-los todos destruídos! E as vidas que aí se perderam?!… Gomes Ribeiro, fazia cálculos e dizia: “Morreram na certa, entre mecânicos, serventes e metralhadores, uns 12 homens! Não deixo por menos!…”

Informações posteriores vieram, infelizmente, confirmar seus cálculos. Haviam ficado fora de combate mais de 30!

Às 10:00 da manhã, já a notícia havia se espalhado, mas a princípio não lhe deram crédito, porque achavam que eram um “peixe” grande demais! Mas a confirmação não demorou a vir! À tarde, para confirmar o efeito moral, voltamos para lançar mais 300 kg de alto explosivo sobre eles! No campo de Viracopos não havia dentadura que coubesse dentro das bocas! Todos riam, e os dentes estavam em exposição! Riam os olhos, as bocas, as fisionomias, e, “mirabile dictu”, até os aviões!…

O comandante, porém, puxou as orelhas de Gomes Ribeiro, porque de volta, deixando de lado todas as recomendações deram uma sessão de acrobacia, sobre Campinas, que se assustou!

O sargento Falcão quando soube dos detalhes, repetia mecanicamente: “Virge! Isto é que é bombardeio, seu comandante!”Algum tempo depois de estarem os aviões aterrados surgiu um “vermelhinho”. Não houve decolagem para não denunciar nosso campo. Isto serviu de base a certo “herói” ir se gabar entre os ditatoriais de nos ter dado caça?!… Risum teneatis!…

Com o brilhante feito dos Gaviões regozijou-se São Paulo inteiro! Os rádios clamavam “urbi et orbe” o feito, que evidenciava com que energia e desprendimento agem os que lutam por um ideal nobre, por uma causa santa, como era aquela de querer um Brasil consciente, justo, digno, dentro da Lei!”.

Trecho do livro “Gaviões de Penacho: A lucta aérea na guerra paulista de 1932” (1934), do major-aviador Lysias Augusto Rodrigues, então comandante do 1º Grupo de Aviação Constitucionalista Grupo – “Gaviões de Penacho”, na Revolução de 1932.

Imagem: um dos aviões da esquadrilha paulista, ocultado por uma tenda de lona e pela vegetação adjacente, conforme descreveu o major Lysias em seu livro.

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